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O fenômeno que se convencionou chamar de “grande naturalização brasileira” se refere à hipótese de naturalização tácita prevista pelo Decreto 58-A, publicado em 15 de dezembro de 1889 e confirmado pela Constituição de 1891 em seu artigo 64. Segundo o citado decreto, todos os cidadãos estrangeiros presentes no território nacional quando da Proclamação da República, um mês antes da publicação do decreto, seriam automaticamente naturalizados brasileiros, se não se manifestassem contrariamente no prazo de 6 meses.

Grande Naturalização: uma luz no fim do túnel

Além de todas as problemáticas jurídicas ligadas à naturalização sem a expressa manifestação da vontade do indivíduo, para os italianos a situação se tornava mais dramática. Isso porque a legislação italiana vigente à época previa a perda da cidadania italiana para aqueles que se naturalizassem cidadãos de outro país. Dessa forma, essa naturalização compulsória implicava na perda arbitrária da cidadania italiana. Esta situação persistiu até 1912, quando uma mudança na legislação italiana disciplinou diversamente a situação dos cidadãos no exterior.

Em suma, podemos dizer que se enquadram na hipótese de grande naturalização os casos de descendentes de cidadãos italianos que correspondem a dois requisitos:

1) o ancestral italiano estava presente no território brasileiro em novembro de 1889 e;

2) o primeiro brasileiro da linha de sucessão nasceu antes de 1912.

Em razão desse impasse, a Corte di Cassazione de Nápoles, em 1907, proferiu sentença considerando inaplicável a lei brasileira aos cidadãos italianos, reafirmando a necessidade de manifestação positiva expressa do cidadão italiano para o requerimento e posterior atribuição de cidadania por naturalização.

Essa tese, que parecia há muito superada, foi ressuscitada pela Avvocatura dello Stato, que representa o Ministério do Interior (Ministero dell’Interno). Nos últimos anos, de maneira aparentemente aleatória, a contestação do pedido de reconhecimento de cidadania italiana jure sanguinis é baseada na perda da cidadania italiana conforme descrito acima. 

Essa discussão chegou até a segunda instância (Corte di Appello) de Roma no ano passado. A primeira decisão da Corte, para a grande surpresa dos profissionais que atuam no campo do direito à cidadania, foi favorável à tese da Avvocatura dello Stato. A sentença de primeira instância, que reconhecia o direito, foi reformada para negar o pedido dos descendentes. É importante esclarecer que a sessão responsável por esse julgamento é atípica, ou seja, não é a sessão que julga as apelações sobre o direito à cidadania em via de regra. Também é importante salientar que os advogados envolvidos no caso apresentaram um novo recurso para a Corte di Cassazione, equivalente ao nosso STJ, para tentar derrubar mais uma vez essa tese.

No dia 08 de outubro de 2021, entretanto, a mesma Corte di Appello, desta vez na sessão que normalmente julga apelações sobre cidadania, publicou sentença proferida no dia 23 de setembro na qual foi totalmente rejeitada a tese da grande naturalização e o direito dos descendentes foi confirmado. Essa decisão trouxe novo ânimo para toda a comunidade de descendentes de italianos pelo mundo e poderá ser usada no futuro como jurisprudência em defesa dos direitos dos italianos nascidos no exterior. 

No último dia 04 de março 2022, a mesma sessão da Corte di Appello publicou mais duas sentenças rejeitando completamente a tese da grande naturalização. A grande novidade, que traz um ar de mudanças, é que desta vez os juízes não se limitaram a rejeitar a apelação. O Ministero dell’Interno foi condenado ao pagamento de custas e sucumbência nos valores de 12.000 e 9.000 euros. Essas condenações em valores altos podem ter a função pedagógica de desestimular a interposição de novas apelações. É um momento de comemoração para todos os oriundi. Acreditamos que esse possa ser o início do fim desse capítulo nebuloso na cidadania italiana e estamos prontos para contribuir com toda nossa experiência para que esse direito tão sagrado não seja negado a ninguém.

Gabriela Falaschi

Advogada, especialista em direito de imigração italiano

Studio Legale Associato Giambrone & Partners

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